Aquela garrafa já estava cheia. Já estava cheia justamente por ainda estar cheia, pois ainda não havia sido consumida. Só ia sendo consumida a sua paciência, levada pelo tempo. E o tempo se arrastava lento naquela velha adega. A garrafa, originada da vinícola francesa Chateau D’Arignac, safra de 1807, já não podia agüentar a espera... o ócio... o envelhecer. A cada passagem de ano – e foram muitas – podia ouvir o estalar das rolhas, alegres, festivas, e o canto do vinho que deslizava nas taças sóbrias de cristal para serem degustadas sob brindes recheados de esperança. Garrafas eram abertas também em cerimônias políticas e bailes da mais alta sociedade. Mas não esta garrafa, que tinha a rolha entalada na garganta. O seu valor, em sua concepção, era sua maldição. Já tinha perdido seu orgulho, seu sonho antigo, da época em que era apenas um tanto de uvinhas grudadas à parreira, sonho de ser aberta em ocasião de grande tratado de paz, ou cerimônia importante e cheia de pompa. Já...